Antes do mundo ser mundo e antes de surgir a vida e a morte, os Cinco Primeiros apareceram. Ninguém sabe de onde vieram ou como se criaram. Só o que se sabe é que antes de tudo havia eles e no fim de tudo, só eles restarão.
Segundo a lenda, a escuridão reinava e o caos e o vazio se estendiam pelo que viria a ser o Universo. Nesse tempo, os Cinco chegaram, e com seus poderes incomensuráveis, formaram o mundo de Heillath. Num primeiro momento, a criação não passava de uma imensa esfera morta, inundada pelo mar negro e profundo. Então os Cinco decidiram povoá-la com todo o tipo de vida que suas imaginações pudessem produzir.
- Rakh’ûl, o Senhor dos Céus, na forma de uma gigantesca águia, criou o firmamento e todas as aves e demais criaturas que o povoaram. Orgulhava-se principalmente de Archa’ûl, a águia que criara à sua imagem e semelhança.
- Ghaia, a Senhora da Terra, na forma de uma magnífica tartaruga, moldou os continentes, com suas montanhas, vales e florestas e os encheu de vida.
- Leviatã, o Senhor do Mares, na forma de uma serpente marinha, povoou os mares gélidos e vazios e criou os rios e lagos de água doce, para que as crias de Ghaia pudessem retirar deles o seu sustento.
- Angra, a Senhora do Fogo, na forma de uma salamandra, acreditava que o mundo também precisava de um pouco de caos, e por isso criou os vulcões e as únicas criaturas capazes de povoá-los: os dragões.
- Elohin, a Luz da Razão, o único dos Cinco que era totalmente disforme, criou o Sol, a Lua e as estrelas, provendo assim a luz do dia e a escuridão da noite para Heillath.
E eles ficaram completamente satisfeitos com suas criações. Mas, conforme o tempo passava, alguns deles começaram a acreditar que o trabalho ainda não estava completo. Apesar da vida em abundância, ainda faltavam seres inteligentes e racionais, capazes de amar os seus criadores e de produzir suas próprias maravilhas. Seres capazes de recriar a vida.
Então Ghaia e Leviatã se uniram em casamento e dessa união surgiu Ellenorah, a Pura. E Angra se uniu com Rakh’ûl e dessa união surgiram Falla, Haracne e Aredhel. Mas até mesmo os Cinco possuíam certa inveja e cobiça e foi por isso que Leviatã, longe do olhar despreocupado de sua esposa, se uniu em adultério com Angra e dessa união surgiu Edhietëllen.
As quatro mulheres foram chamadas de As Filhas do Alvorecer, enquanto que Edhietëllen passou a ser conhecido como O Único. E todos desceram à terra, enquanto que seus pais, movidos pelos ressentimentos de Ghaia e Rakh’ûl, iniciaram a primeira guerra da história.
- Ellenorah, a Pura, continuou o trabalho da mãe na sua ausência. A cada dia, novas espécies de plantas e animais surgiam nas florestas e nos campos, alguns minúsculos como os insetos e outros incrivelmente grandes, como os mamutes e os tricerontes.
- Heracne logo se desinteressou pelos assuntos do mundo. Escavou uma caverna na mais alta montanha de Heillath e lá se abrigou por milhares de anos, criando seres de trevas e repletos de maldade. Volta e meia, algum destes seres escapava das montanhas e descia para as flores, espalhando morte e dor na criação de Ellenorah.
- Aredhel, movida pelo mesmo desejo de seus pais, o de ver criaturas que pudessem amá-la e que pudessem construir novas coisas, criou os primeiros elfos. Com barro e água, ela esculpiu uma estátua imitando a sua própria forma e lhe soprou a vida nas narinas. Logo, havia tantos elfos em Heillath que eles já se espalhavam por todos os lugares, das mais densas florestas até as mais severas montanhas.
- Edhietëllen seguiu o exemplo de Aredhel e com o barro negro do vale onde vivia, criou a primeiro anão. Não se satisfez com sua criação e realizou muitas outras tentativas, sendo todas estas, ao seu ver, fracassos completos. Assim, receoso sobre a ideia de destruir seus pequenos pupilos, decidiu apenas expulsá-los de suas terras, deixando-os sozinhos à própria sorte. Com a ajuda de Aredhel, Edhietëllen reiniciou suas tentativas e assim surgiram os homens. E ele os amou acima de tudo e dedicou todo o seu tempo a ensiná-los tudo que sabia.
- Falla, a Subversiva, não tinha o menor interesse em criar nada, mas desejava ser adorada por todas as criações de seus irmãos. Dessa forma, explorava de todas as formas seus atributos de sedução e muitas vezes sequestrava elfos e homens para serem seus criados e para realizar seus estranhos desejos. Isso gerou a ira de seus irmãos e eles se uniram e a expulsaram de sua presença. Rancorosa e cheia de ódio, Falla encontrou abrigo na floresta Morgállia, onde fundou seu reino. E ali, contrariando sua ideia inicial, usou os elfos como modelo e criou centenas de seres que viviam para adorá-la. Sua maior e mais formidável criação, sem dúvida, foram os Ellendöns, ou elfos-das águas como ficaram conhecidos.
Enquanto isso, a guerra entre os Cinco Primeiros continuava. Eles batalharam entre si por milhões de anos sem que ninguém saísse vitorioso, pois o poder de cada um era insuperável. E a terra seguia seu curso, alheia a presença deles, sendo governada apenas por seus filhos.
Mas então houve uma nova traição. Inacreditavelmente, novos grupos se formaram. Ghaia e Rakh’ûl, que até então lutavam lado a lado, se separam e se uniram com outros deuses. E só então a batalha teve fim. Mas ninguém jamais soube quais deuses venceram e quais deuses foram derrotados. O que se sabe é que dois deles foram destruídos. Naquele dia, choveu sangue em Heillath e onde o sangue dos deuses caiu, um gigantesco campo de rosas se formou. Estas rosas foram chamadas de Eamanë.
As Eamanë tinham poderes curativos e estendiam eternamente a vida de quem as tomasse para si. Mas elas eram tão lindas, tão perfeitas e frágeis, que ninguém jamais tivera coragem de amputar alguma rosa do caule. A dor de matar uma Eamanë visando vida eterna perseguiria o imortal para sempre, consumindo seu coração, até que ele se transformasse numa sombra do que um dia foi.
As civilizações de homens e elfos – e até mesmo anões – cresceram e dominaram toda Heillath. E como o tempo, os deuses foram esquecidos pela maioria. A histórias da criação tornaram-se lenda e as Filhas do Alvorecer foram tidas apenas como criaturas muito poderosas, e não mais como as criadoras de tudo. Edhietëllen nunca mais foi visto. Alguns diziam que ele subiu aos céus para viver com Elohin, o único dos Cinco Primeiros que ele realmente amava. Ellenorah foi para o norte e também nunca mais foi vista, sendo que muitos acreditam que ela se matara, cansada de ver as criações das outras deusas destruindo a sua própria criação.
As irmãs Falla, Haracne e Aredhel foram para o continente de Terra Brasilis, onde cada uma estipulou seu próprio reino. Embora apenas Aredhel ainda fosse adorada por seus filhos, os elfos, todas pareciam satisfeitas vivendo em meio aos homens e os demais seres. Mas nem todas as lendas são iguais. Algumas ainda dizem mais. Falam sobre o fim de todas as coisas, quando os três deuses restantes e suas filhas guerrearão com os homens pelo domínio de Heillath. Nessa época, o céu desabará e os mares serão tomados pelo sangue. E a cada dia que passa, o Fim de Todas as Coisas se aproxima mais.
Sobre as interações com os deuses
Quase tudo sobre os deuses e suas formas de agir ainda permanece uma grande incógnita. A maioria das informações sobre eles vem de livros e compêndios retirados dos cleros espalhados por todas as partes de Heillath. Mas nem sempre estas informações são precisas e, na maioria dos casos, são tendenciosas, favorecendo o deus adorado pela religião específica.
Mas, ao longo dos anos, os magos das diversas academias de Magia Arcana estudaram e catalogaram certos padrões que podem nos ajudar a compreender melhor os deuses e as suas formas de interação com os seres vivos.
Hoje, por exemplo, sabemos que há três formas de um deus interagir com os mortais:
- Através do Clima;
- Através dos Avatares;
- Através das Possessões.
Não tão raro, um deus pode manipular o clima ou a natureza em favor de um mortal. Essa é a forma mais comum de interação e pode ser atingida através de oferendas, preces, promessas e novenas. Os camponeses costumam clamar aos deuses pelo sucesso de suas safras, oferendo em troca, uma terceira parte da colheita, que é queimada seguindo os rituais de oferenda.
Algumas vezes, e isso era muito mais comum no passado, os deuses enviavam para Heillath um avatar. Os avatares nada mais eram do que uma reprodução muito fiel da forma divina do deus, que possuía sua personalidade e até mesmo as suas memórias. Esse avatar era utilizado em batalhas e empasses perigosos, sendo que ele desaparecia quando sua missão estivesse completa. Há mais de mil anos que não se tem notícia de nenhum avatar vagando pelos continentes, ainda que eles sejam requisitados pelos reis e clérigos com frequência.
E por fim, os deuses podem se utilizar de possessões para auxiliar um mortal ou para suprir um desejo próprio. Não há mais do que uma dúzia de notícias sobre possessões comprovadas e todas aconteceram há milhares de anos. Isso, é claro, com exceção do caso de Athoras. Tal caso comprovou duas coisas: que as possessões são reais e que Leviatã é um dos deuses sobreviventes da grande guerra.
As possessões são perigosas para os mortais e sempre surgem seguidas de uma série de efeitos colaterais, como dores de cabeça intermináveis, vômitos constantes e desmaios demorados. Todos os casos confirmados demonstraram que havia algum interesse particular do deus em questão no mortal, mesmo que este interesse só tenha se tornado claro séculos depois.
O caso do rei Athoras ainda é um grande ponto de interrogação.
